segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

EFEITOS DA CEGUEIRA



Acho que falarei de obviedades aqui, mas quem nunca o fez que atire a primeira pedra.

Depois que acabei de ler o Ensaio Sobre a Cegueira fico vendo comportamentos como os dos cegos em todo lugar. Acredito que no Brasil, nem precisaríamos estar cegos para que sucedesse o que sucedeu no manicômio do livro. Bastaria jogar-nos lá. Acho que falta à maioria de nós a casca sócio-cultural de alguns séculos de civilização para nos servir de impedimento de fazer às claras e à vista de todo mundo o que no livro está descrito. Aliás estando todos nós às nossas próprias leis (ou melhor dizendo, às leis de ninguém) e enxergando, o caos seria muito maior que o contado no livro (já isso em qualquer lugar do mundo, creio). O homem em pânico torna-se tão animal quanto qualquer outro, fica desprovido das leis de convivência ou respeito que reprimam seus atos, agindo apenas pelo impulso/instinto de se livrar da causa do pânico. Em multidões, o pânico se manifesta de forma ainda mais assustadora e bestial, vira-se uma massa desordenada de imbecis desesperados, pior do que uma manada de gazelas perseguida por leões (posto que as gazelas são acostumadas a mover-se em grandes grupos e o homem não).

Saramago usou a cegueira como lente para amplificar o que de pior há no homem, mas nem precisava, no nosso dia-a-dia existe um lente de igual potência e impacto: o trânsito. É atrás de um volante que a verdadeira personalidade das pessoas se revela. Não faltam em nossas ruas, a cada esquina ou semáforo alguém desrespeitando a norma, alguém querendo levar vantagem, alguém sendo agressivo, buzinando, xingando, pressionando, fechando, atropelando. Me é enervante, a mim que não dirijo, ver os espertinhos e os espertalhões atrapalhando o trânsito ao fazer suas mirabolantes e arriscadas manobras na ambição de ganhar alguns segundos de vantagem. Me doem nos nervos aqueles que, um milésimo de segundo depois de aberto o sinal, têm como reflexo instantâneo atolar a mão na buzina como se estivesse a tanger bois. E somos pior que bois no trâsito, pois bois conseguem andar em conjunto, sem se enfiarem uns na frente dos outros para atrapalhar o andar do grupo. Há nos bois um senso de comunidade, que não há no trânsito.

Como se vê, minha própria natureza aflora no trânsito, minha ira para com aqueles que se acham melhores e podem mais que os outros em seus veícuilos me ataca infalivelmente, mesmo que eu não saiba dirigir e só ande como passageiro.

Acredito que o trânsito é o melhor e mais perfeito termômetro do nível de civilidade de uma sociedade. Não é preciso cegueira para saber do pior e do melhor de um ser humano, basta dar-lhe as chaves de um veículo.

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