quinta-feira, 5 de março de 2009

MERDIGO


Eu não quero os ossos de nenhum ofício. Quero liberdade. A única solução que me vem à mente é virar mendigo. Esta idéia tem me assombrado há dias. Estou cansado de pressões e opressões. Estou cansado das cobranças para que eu me torne produtivo de novo. Estou frágil demais para ser produtivo agora. Não gosto do modus operandi da sociedade. Não gosto de mim. Não gosto do que causo à minha família. Gostaria de sumir. Mas tenho medo de me suicidar. Tenho menos medo de ser mendigo. De sair por aí e por aí ficar e ir ficando. A única pessoa que me prenderia a esta esfera social não me quer. Os outros proveitos de estar nesta camada são fúteis, dispensáveis. Banho, cama, segurança, DVD, piscina, computador. Acho que consigo viver sem isso. Acho que consigo pedir esmolas. Acho que tem os sopões em algum lugar. Acho que gostaria de me sentir São Francisco. Acho que me violentariam nas ruas, por não ser mendigo de fato ou por demorar até me tornar efetivamente um. Mendigo de óculos? Com tênis Nike? Com celular (o levaria, afinal alguém poderia querer me chamar para uma cachaça free e mamãe poderia querer saber de mim). Merdigo, isso sim. Burguesinho de merda com idéias de merda. Mas estaria livre. Meus pais estariam livres. Eles que querem tanto esta liberdade de mim. E não teria patrão, nem horário, nem compromissos, nem responsabilidades. Nem cigarro. Isso é uma coisa difícil, mas possível de me acostumar. Eu acho. Viveria com a lembrança dela que não me quer, como vivo hoje. E como viverei sempre, eu acho. Nisso não haveria diferença. Viveria andando pelas ruas, para quaisquer ruas que me dessem na telha, pararia para descansar quando me desse na telha. Ia levando, um dia depois do outro, à espera do dia final. Queria tanto escrever meu livro antes. Era só o que eu queria e é só o que eu não faço. Essa incongruência em mim me é dilacerante. Por que perco tempo escrevendo isto e não o livro? Porque tenho medo de que fique uma merda. Por ser tão grande. Porque preciso desabafar com alguém. Com o Word, que sempre me ouve e sempre me solta a voz. Vou tentar escrever algo do livro.

XXXX

Ficou uma merda o que escrevi. Algumas coisas me pareceram sem senso logo nas primeiras frases. Agora o que eu quero é me livrar da vontade de realizar esta utopia. E ainda quero ser mendigo. Ser mendigo deve ser uma merda. Mas para um merda como eu é algo que cabe. É uma merda ter uma vida e não querer fazer nada com ela. Não ter um interesse válido, útil, socialmente útil. Que desperdício. Tantas pessoas dariam tudo para estarem em meu lugar agora, serem filhos de gente do meu estrato, terem tido a educação e os recursos que eu tive. Eu tenho o que a maioria não tem. E eu não tenho o que a maioria tem: vontade de viver, de ser alguém. Merda. Dói esta merda de ser assim. Vazio e cansado. Cansado e vazio. Ficou uma merda o que escrevi. O que tanto queria escrever. Que merda das merdas.

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