quarta-feira, 25 de março de 2009

MÁSCARAS


O som das teclas digitadas por Mira parece chuva batendo na janela. Estou me sentindo meio abestalhado, meio alheio, com o pensamento meio vago, acho que é o remédio, aliás, os remédios. Vendo muita TV. O alheamento rouba-me também a inspiração e a criatividade para escrever. Estou na casa de Tio V., onde estou sendo muito bem tratado e tendo como cicerone meu primo, que sempre se põe a minha inteira disposição. Estou muito grato a ele, sem sua ajuda me sentiria muito mais deslocado aqui. Está fazendo um calor... passo o dia suado, o banho frio vem como uma bênção.
Meu coração está alheio como o meu cérebro, com sentimentos vagos. Joyce me ligou hoje. Atendi sonolento e me faltaram palavras, ela estava apressada, pra variar. Minha meta é ficar bom e tentar ser aceito novamente no meu antigo trabalho. Tenho outra proposta, mas é complicado aceitá-la pelo valor e pelo local. Complicadíssimo. Ainda não recebi pela ilustração que fiz. Recusei as novas. Não por isso, mas porque eu não sou ilustrador, sou muito limitado nesse aspecto, não me sinto em condições de prestar este tipo de serviço. Pra falar a verdade preferia me aposentar. Desisti do meu sonho de mudar o mundo. Estou com os pés mais no chão. Estou me conformando que eu sou apenas um publicitário medíocre, um joão-ninguém como a maioria de nós é. Preferia me aposentar. Sem dúvida seria a melhor opção para o meu juízo. Temo ter novas depressões por causa da Publicidade e de qualquer outro trabalho. Talvez isso tenha esta aparência por estar ainda deprimido, sem ânimo e ainda por cima vago.

XXXXX

Poderá alguém conhecer o âmago do outro? Isso depende de quem seja o outro. E da capacidade e dedicação que se tem de extrair do outro tal profundidade. Poucos têm realmente vontade de se revelar. Muitos têm vergonha de quem acham que são. A maioria se esconde por detrás das máscaras. Eu não. Por isto este blog escancarado, sem pudores ou repressões. Este blog é o que sou, com todas as fraquezas e defeitos e feiúras incluídos. Escrevo aqui por não ter com quem me repartir e porque gosto de fazer brotar palavras. Obviamente devo vestir máscaras que nem mesmo percebo que carrego e interpretar papéis que me são invisíveis. Mas faço o meu melhor esforço para me desnudar. Gosto da minha nudez intelectual. Busco isso, transparência de mim para o outro. Mesmo que a recíproca não seja verdadeira.

quinta-feira, 19 de março de 2009

FALTA

Falta de Joyce. Falta de fé. Me sinto tão sozinho agora. Troquei tudo (casa, emprego, mulher, cachorro) por um delírio, uma bobagem, uma ilusão. Como sou tolo. Como isso me dói agora, lateja em meu peito. Me sinto tão, tão sozinho. Falta de tudo. Vontade de nada.

ALGO IN A NUTSHELL

Vivo uma ilusão. Uma ilusão de que meu Deus é certo. Que o meu Deus é mais aceitável que os demais. Não sei se acredito na ilusão, já que a vejo como tal. Mas a ilusão é, para mim, uma melhor justificativa para tudo que existe do que as outras que já conheci/experimentei. Eu queria muito colocar minha ilusão no papel, mas algo me bloqueia, toda vez que tento, as palavras me soam ridículas, como se faltassem a elas a profundidade e abrangência que eu desejo e vejo em minha mente. Eu me bloqueio, em verdade. Não há nada ou ninguém que possa bloquear, só eu mesmo. Por que eu me bloqueio? Provavelmente por vergonha e medo de ter minha ilusão ridicularizada pelos demais. Mas eu não deveria pensar nos demais ao escrever, só em mim. Aliás, nem em mim, pois minha autocrítica também me bloqueia. Devia pensar só no texto, o que é quase impossível. E esta obra é o que há de mais importante em minha vida, minha missão para com o mundo. E eu a tranco em minha mente.

Resumo do que quero dizer

- Deus criou o universo para que este se torne a versão 2.0 de si mesmo.

- Deus fez isso gerando um desequilíbrio no nada (0 = tudo – tudo [logo todas as possibilidades estão contidas no nada e o inverso delas, o que as anula]) fecundando o nada com energia, o que causou uma reação em cadeia e, conseqüentemente, a explosão conhecida como Big Bang.

- As partes positiva e negativa do nada estão presentes no universo. A parte positiva sendo a energia e a parte negativa sendo a gravidade.

- Há um erro na interpretação da gravidade que aparece quando a massa é muito pequena ou quando as distâncias muito grandes. Tal erro é o que fez os cientistas a criarem os conceitos de força fraca e força forte para as estruturas para as estruturas subatômicas e a matéria negra para os corpos celestes. Na verdade a gravidade não decai infinitamente tendendo a zero. Em dado momento, ela para de cair e se estabiliza, tornando-se constante.

- O universo é cíclico, segundo minha visão. Vai do nada ao nada, ou seja vai de s = 0 e t = 0 até s = 0 e t = 0 de novo, com a energia se tornando cada vez menos utilizável e com o crescente número de buracos negros, a tendência é que a matéria vá sendo atraída de volta e se compactando, junto com o espaço-tempo, até o ponto inicial. Este estágio inicial é fecundado pelo Deus 2.0 para gerar o Deus 3.0 e assim sucessivamente.

- Deus é o universo. O universo aqui e agora é o embrião de Deus. Os homens podem fazer parte de Deus. A primeira etapa é alcançar o próximo estágio evolutivo: a consciência coletiva. Aos poucos, todos os dias, sem que nos apercebamos, vamos criando o arcabouço tecnológico para que a consciência coletiva emirja. Nos tornaremos uma simbiose entre tecnologia e nossa parte orgânica. Usaremos engenharia genética para adaptar e aperfeiçoar nossa raça, faremos auto-evolução.

- Esse simbionte de tecnologia e seres humanos será capaz de deixar a Terra quando o Sol estiver morrendo, levando o genoma de todos os seres possíveis e toda a cultura armazenada. Este ser navegará pelo universo a procura de outros como ele para juntos formarem uma consciência coletiva ainda maior. Essa consciência será Deus. Esse Deus saberá ou aprenderá como fecundar o universo da precisa maneira necessária para criar uma nova versão de si mesmo.

- Este processo de criação de uma consciência coletiva na Terra pode ser acelerado se eu for eleito presidente do Brasil. De posse do dinheiro ganho com a licitação internacional de exploração responsável da Amazônia (da qual o Brasil vai ser o principal beneficiário, ganhando royalties, explorando ele mesmo as riquezas da região e com o desenvolvimento obrigatório do Norte do país, que se tornará um grande centro científico e de produção) utilizarei parte para formar uma join venture com a Google, a Adobe, a Nintendo, a Apple e a empresa que é dona do 3DMax e do Maya, para lançar uma plataforma modular e uma rede nacional visando o edutainment (educação com entretenimento), a fiscalização e transparência de todos os processos governamentais, além, e principalmente, a participação popular democrática em todos os assuntos em todas as esferas governamentais, tudo através da internet gratuita e de âmbito nacional. Esse sistema e a plataforma modular se espalharão pelo mundo (a plataforma será lançada como misto de videogame com computador nos demais países). Com tantos nomes poderosos por trás e pela qualidade do que é oferecido, espero que a plataforma se torne uma unanimidade e assim se torne a espinha dorsal da consciência coletiva.

- Como a etapa acima não vai acontecer vou apenas mencionar os outros tópicos do meu governo: criação das Academias (biblioteca, escola, posto de saúde, parque, espaços para shows), medicina preventiva mensal para toda a população, legalização das drogas e assimilação de parte dos traficantes para as forças armadas para a proteção das fronteiras da Amazônia (transformá-los de bandidos em heróis nacionais), só entregar bolsa escola ou bolsa família para mães que tomarem anticoncepcional na hora do recebimento da bonificação (afinal, se não tem condições de criar os filhos que já tem, porque ter outros e lançá-los à privação?).

- Não seremos escravizados pelas máquinas, nós imergiremos nelas por livre e espontânea vontade, porque será bom para nós, nos movermos num mundo sem limitações físicas (a la Matrix e muito mais que isso), nos conectarmos com uma mente bilhões de vezes maior que a nossa, só para citar alguns atrativos. Nós poderemos escolher o nível de imersão no sistema em qualquer momento. Por exemplo, podemos usar parte da consciência para cortar grama no mundo real e o restante para pesquisar algo na rede, da mesma forma que podemos cortar grama falando ao celular.

Bem, é isso.

quarta-feira, 18 de março de 2009

GNOMO

Sentia uma imensa vontade de escrever, mas nada lhe vinha. Tinha o antigo projeto, o grande projeto, aquele que iria mudar o mundo e que nunca saiu de sua cabeça, nem para o papel, nem da memória. Mas não queria escrever sobre isto, queria algo diferente, foi quando um gnomo apareceu aos seus pés:
- Ô de casa!
- Que porra é isso? Estou tendo uma alucinação?
- Pior que não. Você foi escolhido pelo Gnomo-Rei para ser o Humano-Ouvidor
- Humano-Ouvidor, que diabo é isso?
- É simples: eu falo, você digita, depois posta na internet. Tu tem um blog, num tem?
- Tenho.
- E então.
- E qual é sua mensagem?
- É que o mundo está acelerado demais, tem correria demais, pressa demais, pressão demais. As pessoas vivem sem tempo para relaxar, para serem elas mesmas, para gozar da presença passageira por estas paragens.
- Só isso?
- Não, tem mais: se continuarem nesse ritmo, multiplicar-se-ão as doenças e os suicídios. Haverá uma estafa generalizada, inclusive da mãe natureza, que terá que pagar pelos prazeres fúteis e onerosos ao meio ambiente que vocês procuram para ocupar o vazio de não terem uma vida de fato. Vocês vivem vários papéis, mas não descobrem os seus verdadeiros eus, vocês vêem a vida passar mas não param para assistir, vocês estão se martirizando e martirizando tudo a sua volta. Como espécie dominante no planeta o mal que geram para vocês reverbera para todo o ecossistema da Terra e as conseqüências disso não serão nada agradáveis para nenhum de nós. O clima está prestes a mudar e com ele todo o ordenamento das coisas neste planeta. Muitos irão sofrer. Quase todos. E vocês nessa correria só acelerando tudo e se esquecendo de tudo. Cuidado que muita coisa não tem volta.
- Pô, você está com previsões sinistras...
- Na verdade, meu bom homem, realistas. Nós Gnomos temos grande avanço nas ciências do clima, da fauna e da flora. Tudo o que falo, falo de fé e conceito.
- E vocês, não vivem na correria como nós, não?
- Não. Primeiro porque uma simples maçã pode alimentar dez de nós. Segundo porque não temos pressa, respeitamos religiosamente o andar das estações, sabemos que tudo tem seu tempo e que a vida é pra ser aproveitada. Nosso lema é alegria 100, estresse 0.
- Que inveja...
- Você não muda sua vida porque não quer.
- E onde é que eu vou achar um trabalho que não seja estressante, por exemplo?
- Você sabe onde, só não quer ver.
- Isso pra mim é papo furado de guru de meia tijela.
- Tá bom, você é quem sabe.
- Onde vocês moram que ninguém os vê?
- Moramos onde há folhas e flores. Ninguém nos vê por causa de uma encantamento de invisibilidade. Alguns de nós já morreram esmagados por vocês, que nos pisaram por sermos invisíveis aos seus olhos. Mas é melhor assim, garantimos nossa privacidade e não participamos do mundo caótico de vocês.
- Vocês odeiam os humanos, então?
- Não, temos pena. Tanto potencial desperdiçado com futilidades, com ganância. Xii... ganância é uma das piores doenças da alma. E a imensa maioria de vocês é doente dela ou tem propensão a ficar.
- Eu não sou ganancioso.
- Ainda não. É por isso que o Gnomo-Rei o escolheu.
- Tem mais alguma coisa a dizer?
- Por ora, não. Só queria mandar um beijo pra minha mãe, pro meu pai e pra você.
- Um beijo.
- Tchauzim.
- Tchau.

PASSATEMPO

Declinei de dois trabalhos: uma cartilha para Tio B. (que ficou desapontado, naturalmente) e dois desenhos para a Agência M. (que ficou desapontada, naturalmente). Achei que não tinha competência técnica para fazê-los. E também não seria justo com Tio B. rejeitar o dele e aceitar o outro. De qualquer forma estou com a porra da depressão que não me dá ânimo pra nada. Então, não quero fazer nada a não ser relaxar, ficar tranqüilo, sem estresse, para melhorar o mais rápido possível. Já sinto melhoras significativas. Também, estou tomando doses hospitalares de remédio. Graças que está funcionando.

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Tenho tido flashbacks da cola. A sensação de ardor refrescante, tipo um halls, pelo meu corpo (principalmente nas juntas e nos cabelos) passou o dia inteiro comigo (até agora). Não é uma sensação ruim. Pelo menos não me dá vontade de cheirar. Não estou com vontade de cheirar, o que é muito bom pra mim e pra minha família (e pro meu tratamento).

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Eu não consigo escrever o que mais quero. Isso é uma droga. Fico digitando essas bobagens aqui, mas quando vou tentar escrever Algo, nada sai. É como se eu não acreditasse no que eu acredito. Eu me reprimo, me fecho, fico sem palavras lá, quando aqui sou tão prolixo. Droga.

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Estou achando tudo o que eu faço ridículo, sem mérito. Que fase ozzy.

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Minha mãe que me incentivou a soltar o verbo, ela sabe que eu gosto das palavras e que o gosto por elas me faz bem (por isso, inclusive, este post).

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Estou sem palavras hoje.

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Ah! Não tive a recaída insinuada no post anterior! Vitória!

domingo, 15 de março de 2009

WATCHMEN E OUTRAS BABOSEIRAS

Ver The Watchmen não faz bem aos fãs da revista. O filme é muito fiel ao material original, mas não é bom, o que deixa um gosto amargo na boca daqueles que, como eu, acham o gibi uma das melhores coisas que já leram. O fato de o filme ser pior que o gibi é um só: a história foi pensada para ser uma HQ, para utilizar esta mídia e explorá-la ao máximo (o que de fato ocorre por isso é tido como o melhor gibi de todos os tempos). É muito densa, muito longa, muito complexa e com muito pouca ação para um filme de super-heróis. Quem conhece The Watchmen primeiro por ou apenas pelo cinema é um desafortunado. Por isso, rogo, se você ler isso, procure o gibi antes do filme, please!

XXXXX

Estou com raiva do meu amor. Isso é bom, porque pode significar que estou começando a desgostar dela (já li em algum lugar que, em muitos casos, a raiva ocupa o espaço deixado pelo amor no coração, servindo de combustível para que se supere a quebra da relação). Por que é bom deixar de amá-la? Bem, é e não é (e nem sei se é o caso), em verdade. Bom porque ela nunca me quis e nunca vai me querer, logo, sofro de um amor impossível. Ruim porque não gosto de ter meu coração vazio ou preenchido por raiva. Nunca havia sentido raiva dela. É a primeira vez. Nem estou sentido saudade/ânsia dela neste exato momento. Pra ser sincero, neste exato momento estou de saco meio cheio dela e de tanta negação ao meu amor. Isso é estranho. Nunca havia me sentido assim. Não gosto de sentimentos negativos (mas eles abundam atualmente dentro de mim).

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Meus excessos deixaram minha memória ainda pior do que já era. Isso me preocupa. Tomara que seja passageiro.

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Apesar de tudo ainda acredito em Algo. Ainda quero fazer Algo.

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Há dois dias não penso em me matar de verdade. Sem dúvida um recorde nas últimas semanas. Por outro lado, penso na danada sem parar. Amanhã vai ser o dia da alegria e, depois, serão 6 meses sem ela para eu me desintoxicar completamente (e quem sabe me ver livre da maldita de uma vez por todas).

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Tentando reduzir o cigarro de duas carteiras e meia para uma carteira por dia. São 19h30 e tenho quatro cigarros.

segunda-feira, 9 de março de 2009

CONSELHO


Vou seguir o conselho de Tio B. e só escrever algo aqui quando for feliz. Embora não saiba quanto tempo isso vá levar e embora Tio B. seja ignorante sobre alguns dos infernos da alma, os quais trata de forma um tanto simplista. Os meus últimos posts tristes (e já apagados) me fizeram perder a mais importante das minhas seguidoras e eu sinto muito, muito esta perda. Mais uma prova de que Tio B. está correto.

quinta-feira, 5 de março de 2009

A VOCÊ QUE LÊ E NÃO ME AMA




Não saberá das risadas perdidas, dos carinhos ao pé do ouvido, do toque na nuca, das conversas e das arengas, das saudades e retomadas, dos abraços apertados, das mãos firmes nas coxas, das mãos firmes umas nas outras, do olhar dentro do olhar refletido. Você que não me ama não saberá das horas de conversa, das mútuas confissões mais embaraçosas, das semelhanças encontradas, das diferenças perdidas, das intimidades conquistadas, dos silêncios, do falar mudo, das pausas, dos sussurros. A você que não me ama não há como saber das peles e dos aromas, das línguas e dos beijos delicados e leves, do colo, ora para um, ora para outro, da cumplicidade, da amizade, da liberdade, do respeito. A você que não me ama há somente a visão da casca e a casca não agrada. Quem dera Deus tivesse me dado melhor embalagem.

XXXX

Não sei se é sua juventude. Acho que sim. Sua alegria também. E sem dúvida a sua beleza. Todas essas coisas que são fúteis e passageiras e que pra mim são tão importantes. Não cresci. Tenho medo de crescer.

MERDIGO


Eu não quero os ossos de nenhum ofício. Quero liberdade. A única solução que me vem à mente é virar mendigo. Esta idéia tem me assombrado há dias. Estou cansado de pressões e opressões. Estou cansado das cobranças para que eu me torne produtivo de novo. Estou frágil demais para ser produtivo agora. Não gosto do modus operandi da sociedade. Não gosto de mim. Não gosto do que causo à minha família. Gostaria de sumir. Mas tenho medo de me suicidar. Tenho menos medo de ser mendigo. De sair por aí e por aí ficar e ir ficando. A única pessoa que me prenderia a esta esfera social não me quer. Os outros proveitos de estar nesta camada são fúteis, dispensáveis. Banho, cama, segurança, DVD, piscina, computador. Acho que consigo viver sem isso. Acho que consigo pedir esmolas. Acho que tem os sopões em algum lugar. Acho que gostaria de me sentir São Francisco. Acho que me violentariam nas ruas, por não ser mendigo de fato ou por demorar até me tornar efetivamente um. Mendigo de óculos? Com tênis Nike? Com celular (o levaria, afinal alguém poderia querer me chamar para uma cachaça free e mamãe poderia querer saber de mim). Merdigo, isso sim. Burguesinho de merda com idéias de merda. Mas estaria livre. Meus pais estariam livres. Eles que querem tanto esta liberdade de mim. E não teria patrão, nem horário, nem compromissos, nem responsabilidades. Nem cigarro. Isso é uma coisa difícil, mas possível de me acostumar. Eu acho. Viveria com a lembrança dela que não me quer, como vivo hoje. E como viverei sempre, eu acho. Nisso não haveria diferença. Viveria andando pelas ruas, para quaisquer ruas que me dessem na telha, pararia para descansar quando me desse na telha. Ia levando, um dia depois do outro, à espera do dia final. Queria tanto escrever meu livro antes. Era só o que eu queria e é só o que eu não faço. Essa incongruência em mim me é dilacerante. Por que perco tempo escrevendo isto e não o livro? Porque tenho medo de que fique uma merda. Por ser tão grande. Porque preciso desabafar com alguém. Com o Word, que sempre me ouve e sempre me solta a voz. Vou tentar escrever algo do livro.

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Ficou uma merda o que escrevi. Algumas coisas me pareceram sem senso logo nas primeiras frases. Agora o que eu quero é me livrar da vontade de realizar esta utopia. E ainda quero ser mendigo. Ser mendigo deve ser uma merda. Mas para um merda como eu é algo que cabe. É uma merda ter uma vida e não querer fazer nada com ela. Não ter um interesse válido, útil, socialmente útil. Que desperdício. Tantas pessoas dariam tudo para estarem em meu lugar agora, serem filhos de gente do meu estrato, terem tido a educação e os recursos que eu tive. Eu tenho o que a maioria não tem. E eu não tenho o que a maioria tem: vontade de viver, de ser alguém. Merda. Dói esta merda de ser assim. Vazio e cansado. Cansado e vazio. Ficou uma merda o que escrevi. O que tanto queria escrever. Que merda das merdas.