sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

MIGALHAS DE MUSA



Passas sem ver teu vigia
Catando a poesia
Que entornas no chão


Lidar com a minha musa me dá o mesmo frio na barriga que daria estar na mesma sala com Sandy, Natalie Portman ou Björk (muito embora minha musa só tenha esta alteza de pop star pra mim e mais ninguém [creio e espero eu]). Quando estou no mesmo ambiente que ela (o que tem acontecido com freqüência [por iniciativa completamente minha, obviamente]), parece que tudo em mim enrijece, trava, como estivesse ofuscado por uma luz maior que eu, que me paralisasse e diminuisse. A dureza que toma conta do meu corpo – inclusive da língua – é resultado não só da grandeza e importância que ela ocupa e tem na minha alma, mas também do cuidado de tornar minha presença o menos intrusiva e desagradável para ela. Cuidado para não deixar transparecer na minha fala e nos meus gestos e olhares o que ela já sabe que eu sinto e o que eu já sei que ela rejeita. Sim, já me declarei para ela, de forma imprudente e desesperada, pois o fiz através de um e-mail que enviei antes de uma das minhas tentativas (ridículas) de suicídio. Quando escrevi só pensava em não morrer com aquele – este – sentimento preso na garganta.

Entretanto, tê-la feito – a declaração de amor – agora que continuo vivo, foi a pior atitude possível, pois, depois disso, ela nunca mais foi a mesma comigo e me evita (sempre muito respeitosa e educadamente, merece-se acrescentar) fazendo o máximo para me magoar o mínimo. Esse esforço a torna ainda mais linda, principalmente por ser uma beleza interior. Aliás, minhas beatrizes (neste blog chamo de Beatriz meus amores passados, presentes e futuros) todas tinham um interior belo ou, no mínimo, interessante. Esta Beatriz de agora nunca se tornaria minha musa se, além da sublime beldade exterior, não tivesse também algo dentro de si igualmente encantador e magnânimo e alegre. Um belo caráter, em uma palavra.

Por causa dos motivos supracitados, mal conversamos e nos olhamos no olho, apesar de minhas visitas freqüentes à residência dela. Eu meio que a evito e ela faz o mesmo... Queria tanto ao menos conversar com ela, tomar uma cerveja e ir descobrindo o que há além do véu das aparências. Descobrir mais precisamente quem é a pessoa Beatriz, a Beatriz cotidiana, saber quão diferente ou semelhante ela é da musa que eu tanto amo e idealizo. Duas pessoas conversando, apenas isso. Seria fantástico para mim. Mas estarmos a sós nos é doloroso justamente porque o sentimento foi revelado. Esse amor conhecido e rejeitado cria uma muralha invisível, porém quase palpável, entre nós. Ficamos ambos incomodados porque ambos sabemos que um espera loucamente por um sim e o outro só tem não a oferecer. É precisamente deste ruído de sentimentos que é feita a muralha. E, nem ela, nem eu conseguimos transpô-la. Nenhum dos dois consegue sair do papel de musa e devoto quando nos encontramos. Acho inclusive que ela me evita para não me dar falsas esperanças. Então fico a catar migalhas da sua presença e de sua atenção para aplacar mesmo que apenas uma parte infinitesimal da grande fome que o meu ser tem dela.

Não gosto destas propriedades imanentes de musa de ser inacessível, intangível, idealizada. Gostaria de tê-la companheira e não musa, mesmo que companheiras tenham defeitos e musas não. Com companheiras, entretanto, nós conversamos, repartimos vida, compartilhamos, nos tocamos, choramos, rimos, temos prazer um com a presença do outro. Pena que seja virtualmente impossível fazer com que Bia desça do pedestal e venha ficar ao meu lado. Sei que ela mal pode apreender as dimensões imponentes do pedestal e sei que está desconfortável em seu topo. Mas me é incontrolável tê-la como musa e, inevitavelmente, continuará sendo musa até meu coração decidir de outra forma. Pena que meu coração seja tão consistente e resistente em relação a Beatriz. Há mais de nove anos a coloquei no pedestal e desde então ela está lá, cristalizada, perfeita e linda em minha alma, atirando-me migalhas sem querer. Não me atiraria nada se fosse humanamente possível, não por maldade, mas pensando que assim me pouparia da desiludida ilusão, do desamor que é só o que ela tem a me oferecer. Mas, desatenta dos caminhos do meu coração, tudo o que conseguiria era se tornar ainda mais dolorosa e completamente musa.

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