domingo, 4 de janeiro de 2009

A OSTRA EQUILIBRISTA


Recife, 4 de janeiro de 2009.

Estou numa fase de ostracismo e de não pertencer a lugar nenhum. É difícil se sentir ostra sem ter casa para se esconder. Ou sem ter lugar na casa alheia para chamar de seu. O lugar mais meu, onde me sinto mais tranqüilamente ostra é do lado de fora da casa de mamãe, no fumódromo (posto que não posso fumar dentro da casa dela). O outro lugar é com Nice e Tânia, na cozinha da casa da minha tia, no apartamento ao lado. Mas minha tia está viajando. Foi para Areias, com a bela, com a menina-mulher-flor dos meus desejos, onde passarão uma semana. Contar do meu desejo de estar lá, em Areias, neste momento, é chafurdar o óbvio. Mas estarei lá, dentro de, no máximo, duas dúzias de dias. Espero que os ecos de suas existências estejam ainda assombrando a casa de alegria e feminilidade quando eu aportar. Minha imaginação certamente pintará tais assombrações para encantar um pouco mais a já encantada casa de Areias. Tudo depende de Joyce aceitar perder ou passar um mês comigo lá. Ela já havia aventado o desejo de passar alguns dias em Areias, mas nada perto de um mês inteiro. Não sei se vai ser fácil ou mesmo possível convencê-la a passar um período tão extenso (para ela), por isso protelo o contato e a proposta. De qualquer forma, com ou sem Joyce, esse é o meu desejo, a casa de Areias é o lugar perfeito para parir Algo. Se Algo deve mesmo vir a ver a luz do dia, que sejam as manhãs magníficas de Areias, com seus pássaros e farfalhar de coqueiros e seus silêncios de toda e qualquer gente.


Outro lugar onde consigo ser ostra além do fumódromo e da mesa da cozinha com Tânia e Nice é na frente deste computador, embora suas teclas não se entreguem totalmente a mim, afinal é o computador da minha mãe. Mas, uma vez imerso nos meus pensamentos/dígitos, eu me sinto livre e meu e num lugar sagrado e impenetrável como casca de ostra. É bom. Uma janela para o meu mundo se abre onde as paredes me renegam, me expelem, me olham torto, torcendo o nariz. Me assusta o fato de não conseguir conceber outro lugar no mundo, pelo menos neste de agora que construí, onde as paredes façam diferente. Em todos os lugares que entro, entro passageiro, entro pré-expelido, momentâneo, hóspede. Não tenho lar. Essa foi a minha escolha, foi isso que troquei pela minha liberdade. Não tenho emprego, não tenho lar, mas tenho liberdade. O chato é que a liberdade, prêmio máximo, ainda não se manifestou plena; seus ônus, por outro lado, já pesam meus flancos. Não imaginei que seria assim e penso que assim o seja por uma inércia minha, por uma covardia e passividade minhas, pelo medo de tomar minha liberdade e sair correndo com ela. É muito ruim não ter lar, não havia contado com isso. Nunca passei por isso antes. Não vi essa perda de lar acontecer, mas a sinto, clara e sólida dentro de mim.


Para a minha liberdade, falta-me a minha janela própria para o meu mundo. Falta-me o meu computador. Preciso resolver isso. Porém, há o pedido de só colocar as últimas engrenagens da minha nova vida para girar depois que o meu irmão partir de volta para o exterior. Soube que ele partirá hoje (amanhã) de madrugada. Isso me agrada e assusta. É tudo tão novo e tão esperado ao mesmo tempo. Tudo pode dar tão mais errado que certo. E me agarro no fio finíssimo e dourado da esperança. Esperança de que o que eu tenho pra dizer é válido, de que as pessoas vão querer ouvir, de que eu vou poder me sustentar destas palavras ditas com prazer e nunca precisar mais das outras, ditas por mercantilismo. É um sonho romântico, eu sei. Muitas pessoas o sonham e acordam no fracasso. Mas a mim me parece que nunca será um fracasso completo se você for capaz de tentar e criar e parir o seu sonho. Poucas pessoas o fazem e as que têm coragem, mesmo que não alcancem o sucesso editorial, alcançam um outro sucesso, interior, mais perene e profundo. E é esse que eu busco a priori (a posteriori, claro que quero ser lido por muitos). Preciso, quero calar essas vozes dentro de mim. Esses vários eus exigindo meus dedos, meus braços, meus olhos, meu coração, para sair da ostra das idéias e ganhar o mundo, mesmo que aprisionados fiquem em uma página de papel nalgum canto esquecido de estante.


Medo e esperança. Coragem e covardia. Sou agora um equilibrista de motivações e sentimentos e vontades.

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